Algumas discussões do mundo
moderno são pré-históricas. O tempo passa, o tempo voa (como dizia a antiga
propaganda de um banco) e o repetitivo assunto persiste no dia a dia dos
inconformados e muitas vezes mal informados. Uma destas discussões sazonais que
encontro é aquela que diz respeito aos dízimos entregues pelos fiéis em suas
igrejas.
O assunto, que é recorrente no
meio social mediante à multiplicação do povo evangélico em nosso país, é
tratado de forma crítica, pejorativa e por vezes jocosa por parte daqueles que
dele não fazem parte. E foi pensando sobre isso que resolvi trazer alguma luz
ao assunto tendo em vista que muitos tem dificuldades em entendê-lo.
Primeiramente preciso dizer que
nenhum pastor, padre ou líder criou a prática da contribuição através do dízimo
e que ela não foi originalmente restrita ao papel-moeda. Na verdade ela precede
a existência do dinheiro, da moeda e até das igrejas institucionalizadas como
nós conhecemos. A Bíblia possui textos bem claros que ressaltam a origem deste
ato através de ordens divinas ao seu povo (ressalto: ao seu povo). Tanto o
Antigo Testamento quanto o Novo Testamento falam a respeito do dízimo. Sim,
estou falando em Deus, estou falando em Bíblia e estou falando em Povo de Deus.
O que isso significa? Significa que é um ato ligado à fé. É questão de foro
íntimo. É questão voluntária. Portanto, se você não tem fé ou não pertence ao
Cristianismo, você precisará ao menos de uma dose de tolerância e respeito para
entender que aqueles que crêem o fazem com voluntariedade e sinceridade de
coração.
Ainda falando sobre a origem da
prática, cabe ressaltar que é algo de cunho santo no sentido hebraico da
palavra: separado. É algo que se faz diferentemente se uma simples doação. Você
pode doar uma grande soma de dinheiro em uma igreja e não estar dizimando.
Dízimo é um ato de gratidão, reconhecimento e obediência ao Deus que nos dá
saúde, força, vigor e vida para trabalhar e ter o sustento. Os meus talentos e
contatos, a minha formação e o mercado de trabalho podem me dar oportunidades,
mas nada disso pode me dar mais um dia de vida. Nenhuma destas coisas pode
garantir que ao sair de casa para trabalhar de manhã cedo eu voltarei são e
salvo a noite para a minha casa para o meu descanso. A vida é dada por Deus. Na
bíblia, Deus poderia como dono da vida me exigir 100% do seu investimento na
minha existência diária, mas ele nos propõe o dízimo como uma oportunidade de
demonstrar que eu o reconheço e que sou grato por isso. Quero reforçar aqui que
é questão de fé. Certa vez Jesus criticou o dízimo que é dado por alguém que
contribui, mas que não possui atos que demonstre o amor de Deus ao próximo.
Isso foi uma demonstração clara de que o que vale não é apenas uma
contribuição, mas um ato que é parte de um todo.
Outro aspecto que desejo
enfatizar é a voluntariedade do ato. O fiel entrega seu dízimo com uma prática
que faz parte de sua fé. Ele não é forçado, ninguém põe uma arma em sua cabeça
ou seqüestra alguém de sua família para isso. É claro que eu questiono à luz da
Bíblia algumas práticas hodiernas tão comuns de se encontrar, mas eu quero me
ater aqui àquilo que é feito dentro de uma serenidade e honestidade típica
daqueles que conduzem com humildade o rebanho de Deus. Sim, dízimo é bíblico, é
um ato de fé e é voluntário. Assim sendo eu fico impressionado com a indignação
de muitos. É comum a ridicularização do fiel dizendo que ele entrega dinheiro
pra igreja e muitos vão além dizendo que ele dá dinheiro para o pastor que o
rouba, etc. Ora, o que me deixa curioso é que eu não vejo a mesma indignação
voltada para aqueles que dão muito mais do que o percentual de um dízimo à
indústria do cigarro, da pornografia, do entretenimento, da jogatina ou mesmo
das drogas. Eu não vejo a mesma jocosidade para aqueles que mensalmente,
semanalmente ou até diariamente entregam seu “dízimo” a indústria da bebida,
ingerindo algo que sabem ser prejudicial ao seu próprio organismo. Assim, nos
tempos em que preconceito, intolerância e fobia são termos tão utilizados,
percebo os tolerantes fazendo uso dos comportamentos que condenam ao se
referirem aos dizimistas e suas igrejas.
Por último quero destacar a
utilização do dízimo. É muito claro que Deus não precisa de dinheiro. Seu
intuito ao estabelecer o dízimo está em perceber a voluntariedade da gratidão
humana mediante a doação de algo ao qual ela é tão apegada e que a faz, em
muitos casos, destruir a vida em prol da lucratividade e da riqueza. Mas uma
vez entregue, o dízimo é algo de valor que não deve ser desperdiçado por aqueles
que o administram. Assim, quero começar este último tópico colocando o “dedo na
ferida”: o salário do pastor. O Pastor é alguém que dedica sua vida na condução
do rebanho de Deus. Ele estuda, ou pelo menos deveria estudar, para expor o
texto bíblico. Pra quem não sabe é grande o número de pastores com mestrados,
doutorados, phds e formação não só em teologia mas também em outras graduações.
Olhando pelo aspecto da formação, é algo dispendioso e cansativo que todo
estudante graduado conhece bem. E embora o pastor possa exercer uma profissão,
o intuito maior dos seus estudos é auxiliar as pessoas em sua caminhada. Pastor
é aquele que se empenha para expor o sentido do texto bíblico sem “achismos”
(uma pregação séria não sacraliza a opinião do pregador, ela expõe o ensino
contido no texto). O pastor garimpa o ensinamento de Deus e o traduz para uma
linguagem acessível aos ouvintes. Ele pesquisa Grego, Hebraico, ele se reporta
a arqueologia bíblica, antropologia, sociologia, etc para entender o contexto
em que tudo foi escrito. Ele se aperfeiçoa para aprender a comunicar com
eficiência - e você que já tentou falar em público sabe que isso não é algo
fácil. Deixe só eu abrir um parêntese aqui: Os cristãos que estão lendo devem
estar se perguntando sobre a oração, sobre a atuação do Espírito Santo,
sobre a laicidade do chamado, enfim;
isso tudo é real e essencial. Mas entenda o prisma que eu estou focando, ok?
(fecha parênteses). E como se não bastasse todo o preparo do pastor, isso é
apenas uma pequena fatia do que ele faz. O Pastor aconselha pessoas que buscam
ajuda, ele visita enfermos em hospitais e em seus lares, realiza casamentos,
enterros, batismos, ajudam na recuperação de casamentos, na condução de pessoas
à tratamentos para se libertarem de destrutivos vícios e quando muitos estão em
casa dormindo, ele está muitas vezes ao telefone ajudando pessoas em situações
de crise. Veja bem, meu objetivo aqui não é exaltar o labor pastoral, pois é
Deus quem o faz, estou falando um pouquinho para aqueles que muitas vezes não
tem noção do que realmente é. O Pastor é aquele que gasta a sua vida para que
as pessoas recebam vida de Deus. E nesta empreitada, esse homem precisa de um
sustento, de recursos, pois ele tem família, ele deve ter salário. Eu sou
pastor e digo a você: Na denominação ao qual faço parte, por exemplo, o salário
do pastor é fixo, é determinado e votado pelos membros da igreja. O valor consta
em planilhas orçamentária, em relatórios e em registros contábeis acessíveis a
todo o membro que deseje informações a respeito. Não importa o volume de dízimo
da igreja, o salário do pastor é o que foi determinado pela membresia.
Mas
nem só de salário pastoral vive o dízimo. Ele tem muitas funções. Como você
acha que é paga a luz utilizada na igreja? E a limpeza da mesma? E a água
utilizada? E o conserto de coisas que naturalmente perecem ou precisam de
reformas? E a melhoria do ambiente em que as pessoas freqüentam? Com certeza não é com um “Deus lhe pague”, é
com a contribuição que é entregue. Mas também não é só isso, como pastor, já vi
o dízimo auxiliar famílias assoladas pelo desemprego terem o que comer ou terem
o aluguel pago naquele fatídico mês para não serem despejadas. Já vi pessoas
desesperadas conseguirem comprar o tão necessário remédio que o governo não
deu. Já vi tratamentos psicológicos pagos para pessoas que precisavam com
urgência, já vi inúmeras vezes as doações se transformarem em itens
emergenciais a serem enviados para casos de calamidades públicas, para
orfanatos, para casas de recuperação, para o envio de missionários que
representam suas igrejas na dignificação do ser humano em países de condições
sub-humanas. Já vi o dízimo virar projetos: Escolas, hospitais, creches, aulas
de reforço-escolar, espaços esportivos para pessoas carentes, cursos de
culinária e artesanato para gerar fontes de renda. Já vi o dízimo virar poço no
Nordeste e filtros para dar água potável a povos na China. Já vi dízimo virar
vacina em comunidades ribeirinhas e livros para alfabetização de crianças e
adultos. Enfim, já vi o dízimo ser instrumento de bênção para muito mais casos
do que eu aqui poderia escrever.
Diante de tudo isso, encerro aqui
a minha fala, mas nem de longe a gama de atividades em que os dízimos são
aplicados. Ressalto que não vim defender o dízimo, ele não precisa de defesa. É
ensino de Deus para o seu povo. Vim aqui
apenas dizer que aquele que dizima deve ser respeitado em sua fé como qualquer
outra pessoa.
Um grande abraço e que Deus te
abençoe!
Rodrigo Gonçalves, pr.
2 comentários:
Rodrigo, boa noite aqui:) Estive a ler partes do seu blog de que sou recentemente seguidora, o qual me atrai na sua fluente escrita.Este tema em causa,levou-me a sentir a necessidade de lhe despertar a atenção, sobre a questão da dizima. Da qual por alturas da Idade Média, a Idade das Trevas, assim se chamava por compreendendo o papel da igreja, como existindo a igreja de Deus e a dos Homens, na qual a ignorância era aproveitada, para transmitir terror, existe a frase " dar dizima para assim serem perdoados os teus pecados, um lugar no Céu " ou seja não era atraves das dizimas, que se teria um lugar no céu, segundo a igreja dos homens, o clero e mais alguns, queria convencer as pessoas, a ideia era o dinheiro.Pois o que transmite esse ensinamento, era fazer bem aos outros, assim se guarda um lugar no céu, ajudando como fôr possivel.As boas obras eram essas, não propriamente a dizima. Espero que visite o meu blog, apenas transmito não factos concretos , pois são frutos da minha imaginação e estados de alma:)
Olá Mirian,
Obrigado por sua visita, apreciação e comentário. Concordo com sua aplicação sobre as distorções medievais. Não quis me ater as distorções, uma vez que o dízimo não foi criação de uma igreja e antecede a existência dela.
Deixo um abraço a você e com certeza, farei sim uma visita ao seu blog.
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